domingo, 22 de março de 2009

Coisa de brasileiro

Brasileiro adora acordar tarde. Detesta a segunda-feira, enaltece a sexta. Brasileiro tem o hábito de começar o ano somente depois do Carnaval. Tudo fica para depois do Carnaval: os problemas, as promessas, as doenças, as obrigações e o mau-humor. No ritmo do axé, ele dança dizendo: “Depois do Carnaval, eu conto tudo a ela”; ou “Eu juro que começo o regime quando o Carnaval terminar”; ou ainda “A primeira coisa que vou fazer, assim que acabar a folia, é pagar as contas”. O pior desse hábito incomensurável é que a pátria Brasil, essa mãe gentil de coração mole, aceita tudo na maior santa paz. Não tem jeito mesmo, é coisa de família com tradição cristã. É coisa que não se evita.

Brasileiro tem hábito de sorrir, principalmente para os gringos. Aparece um sujeito enrolando a língua, e lá está o brasileiro de sorriso largo admirado com aquela fala engraçada e aquele rosto vermelho que nem molho de moqueca capixaba. Isso também é relíquia de família. Lembra dos índios e suas festas para receber os seres de além-mar? É coisa que não tem jeito.

Brasileiro come e bebe bem. De polenta a vatapá; de café preto a suco de açaí. Essa terra dá de tudo um pouco. E já que brasileiro também é criativo, esse tudo acaba inevitavelmente indo para a panela. Um pouquinho de cultura italiana daqui, uma pitadinha de africana dali, mexe e mexe à moda alemã, sem perder de vista a disciplina oriental, e temos um prato legitimamente brasileiro. É coisa de sangue na veia.

Brasileiro não gosta de fila. Infelizmente tudo acaba nela, mas ele sempre dá um jeitinho. Aliás, convenhamos, o tal do jeitinho virou o cúmulo da cara-de-pau. Roga-se um jeitinho ao guarda de trânsito, ao professor, ao caixa do banco, ao promotor, ao dono do carrinho de sorvete. É por isso que brasileiro sempre vê uma luz no fim do túnel. Essa índole otimista do povo provém justamente do fato de que todos acabam se rendendo ao jeitinho, já que com esse nomezinho no diminutivo, brasileirinho nenhum resiste. É coisa que devagarzinho irrita.

Brasileiro joga lixo no chão, cospe no chão, dorme no chão. Enquanto uns só conseguem ser higiênicos dentro da própria casa, outros, sem nada, fazem da rua o seu lar, da calçada cuspida e suja sua cama de cada noite. É coisa de perder a boa. Mas brasileiro tem esperança. Eta povo de coração quente! Povo que só perde o humor no trânsito engarrafado ou quando sente fome, seja ela de justiça ou de feijão.

O humor pode até se esvair, porém, a vontade de melhorar, nunca. Essa terra é tropical demais para desbotar ante as dificuldades. Muita coisa tem de mudar, claro. E agora, que já se foi o Carnaval, é hora, portanto, de começar a transformar o país. Coisa de brasileiro.

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